Adiada votação na Câmara do projeto de lei que libera compra de vacinas por empresários

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Para o pesquisador da Fiocruz Jesem Orellana, privilegiar uma fração da população ligada à atividade econômica é desleal e desumano

Ficou para a próxima semana a votação, na Câmara dos Deputados, do projeto de lei 948/2021 que permite a compra de vacinas contra a covid-19 pela iniciativa privada. O PL, de autoria do deputado federal Hildo Rocha (MDB-MA), altera a redação do artigo 2º da Lei nº 14.125, que permite a compra de vacinas desde que as doses de imunizante sejam doadas ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Em sua conta no Twitter, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL) defendeu a proposta. “Tem uma discussão que inicia-se hoje na Câmara e tem que ser transparente, que é da possibilidade da iniciativa privada também adquirir vacinas, para que o empresário possa vacinar os seus funcionários e seus familiares, para manter a sua empresa, o seu negócio de pé”, afirma. “O projeto que anunciamos hoje prevê também a vacinação dos familiares diretos dos funcionários das empresas privadas que optarem pela compra de vacinas.  O empresário poderá também doar cem por cento das vacinas para o SUS”, explica, sem dizer que a lei atual já determina essa doação.

Para o biólogo e pesquisador Atila Iamarino, uma autoridade sobre o combate à covid-19, a promessa de mais vacinas não resolve agora. “Batemos ontem 3.780 mortes por covid registradas. A curva de casos continua subindo. Promessa de mais vacinas não resolve agora. É fechamento. O comitê anti-covid sequer cita isso”, critica. “Agora propõem flexibilizar a ordem de vacinação. Virou comitê anti-PNI. Vamos trocar o PNI – Plano Nacional de Imunização pelo PNMPP – Plano Nacional do Meu Pirão Primeiro.”

Ineficaz e desumano

O pesquisador da Fiocruz Jesem Orellana rebate a ideia de Lira, de que furando a fila da vacinação os empresários poderão manter “seu negócio de pé”. Segundo o epidemiologista, nenhuma vacina contra a covid-19 garante que essas pessoas não serão infectadas. “As vacinas protegem razoavelmente bem contra formas graves e mortes. Logo, as pessoas podem se infectar e ficarem assintomáticas e/ou levemente doentes, transmitindo o novo coronavírus”, explica.

“Quando penso no país como um todo, não posso alegar que protegendo parte do comércio, uma pequena fração da população, estarei fazendo minha parte e contribuindo para o controle da epidemia. Não, pois estarei fazendo o vírus circular dentro do meu estabelecimento ou fora dele, já que quem se dirige a ele e sai dele não estará vacinado, em geral. Penso até mesmo em riscos para o estoque do SUS, com a possibilidade de compra por fora do PNI”, alerta Orellana.

Para o pesquisador, essa equação é simples e direta: alta procura e baixíssima oferta. “Em outras palavras, privilegiar uma fração da população ligada à atividade econômica significa tirar vacinas da população geral. Isso é deslealdade e desumano! Acho que esta fala do Lira foi a mais marcante no sentido de defender abertamente o uso de vacinas com propósito de ganhos econômicos. Querem transformar o país num balcão de negócios e especulações e que se dane quem não pode comprar vacina.”

Povo vai pagar

As empresas, informa a jornalista de Mônica Bergamo, poderão abater do imposto de renda o valor gasto na compra de vacinas. “Ou seja, o recurso que elas vão desembolsar para ‘furar a fila’ será pago por toda a sociedade —incluindo os mais pobres.”

O PL prevê ainda, que os empresários poderão comprar vacinas diretamente de importadoras, com o objetivo de acelerar a chegada do imunizante ao Brasil. Assim, o pagamento feito via intermediários deve elevar o preço das vacinas. E isso também poderá ser abatido do imposto de renda. Mesmo vacinas ainda não aprovadas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) poderão ser compradas pelos empresários, caso o projeto de lei apoiado por Arthur Lira seja aprovado.

Camarote da vacina

O médico e deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) também tece críticas ao PL que autoriza a compra de vacinas por empresários. “Não podemos permitir que se instaure no Brasil o camarote das vacinas, com empresários furando filas e impedindo a organização do plano nacional de vacinação do SUS.”

Padilha reforça que a atual legislação já permite que empresas adquiram vacina. “Mas com um diferencial importante: tem que doar 100% para o SUS até que todos os grupos prioritários estejam vacinados”.  

O parlamentar ingressou com ação junto do Ministério Público sobre o que classifica de Camarote das Vacinas. “Notícias na semana passada revelaram um camarote da vacina, em Minas Gerais: empresários estavam sendo vacinados fora da fila do SUS. Por isso, entramos em uma ação no Ministério Público para que toda essa situação fosse investigada e que todas as vacinas em segunda dose que tivessem sido adquiridas pelos empresários fossem devolvidas ao SUS.”

Camarote clandestino de vacinas pode ser esquema de corrupção, diz Padilha

Segundo o médico, foi revelado que o conteúdo das seringas aplicadas pela enfermeira nos empresários mineiros não continha vacina contra a covid-19. “ Dessa forma, os ‘fura-filas’ passaram por uma outra fraude. Podemos estar diante de um grande esquema de tráfico e fraudes de vacinas”, alerta. “Cobraremos os desdobramentos de nossa ação para que todos os envolvidos sejam investigados.”

FONTE: REDE BRASIL ATUAL
FOTO: Marcelo Camargo / ABr