Levantamento sobre as condições de trabalho na pandemia revela que além da falta de equipamentos de proteção e apoio, médicos, enfermeiros e técnicos são prejudicados por fake news e até 70% deles reprovam atuação de autoridades
Há mais de um ano atuando na linha de frente contra a covid-19, os profissionais da saúde do país estão no limite da exaustão. É o que revela um amplo levantamento realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre as Condições de Trabalho dos Profissionais de Saúde no Contexto da Covid-19. De acordo com a pesquisa, divulgada neste domingo (21), 95% desses trabalhadores tiveram suas vidas bastante alteradas de modo significativo pela pandemia do novo coronavírus.
Ao todo, 15.132 profissionais de nível superior, a maioria médicos e enfermeiros (81,4% do total), responderam ao questionário da Fiocruz aplicado em 2.200 municípios. Quase metade deles admitiram excesso de trabalho, com jornadas superiores a 40 horas semanais, ao longo desta que é a maior crise sanitária do Brasil em mais de 100 anos. Um elevado percentual destes trabalhadores ainda necessita de mais de um emprego para sobreviver (45%).
O levantamento avaliou o ambiente laboral e os aspectos físicos, emocionais e psíquicos desses trabalhadores. E descobriu que 43,2% deles não se sentem protegidos para o exercício de suas atividades. De acordo com a entidade, o principal motivo listado pelos profissionais é a falta de equipamentos de proteção individual (EPIs). Mais da metade dos profissionais de saúde (64%) disseram ter que improvisar sua própria proteção.
Saúde dos cuidadores em colapso
Além disso, 15% dos médicos, enfermeiros e técnicos de saúde apontaram que faltam estrutura adequada para realização da atividade e fluxos de internação eficientes (12,3%). Os entrevistados também indicaram despreparo técnico (11,8%) e insensibilidade de gestores para suas necessidades profissionais (10,4%).
Todo o desgaste profissional ainda se acumula com o medo da morte iminente e a situação dos hospitais do país, que estão com UTIs lotadas. A pesquisa da Fiocruz revela que os trabalhadores da saúde já sentem “graves e prejudiciais consequências à saúde mental” em virtude da pandemia. Entre as queixas mais citadas estão perturbação do sono (15,8%), irritabilidade, choro frequente (13,6%) e incapacidade de relaxar e estresse (11,7%). Dificuldade de concentração e pensamento lento (9,2%), perda de satisfação na carreira, tristeza e apatia (9,1%) e até pensamentos suicidas (8,3%) também acompanham o cotidiano profissional. O trabalho também é apontado como extenuante por 22,2%. E até 14% da força que atua na linha de frente menciona estar esgotada.
Violência e discriminação
Coordenadora do estudo, Maria Helena Machado, observa que a pandemia revelou a “essencialidade da saúde” na vida de toda a população. Contudo, e “paradoxalmente”, segundo ela, também “revelou o quanto os profissionais de saúde não são considerados e respeitados nesse processo”.
À Agência Fiocruz Notícias, a coordenadora afirmou que a pesquisa “constata o estado de exaustão e sofrimento desses profissionais, que já entraram na pandemia adoecidos e cansados, e a situação sob a qual estão expostos só piorou tal quadro”.
Esgotados, os trabalhadores ainda se sentem sem apoio institucional (60%) e desvalorizados pela própria chefia (21%) e até mesmo pela população geral. Apenas 25% sentem-se valorizados pelos pacientes. O levantamento ainda mostrou que 40% deles foram vítimas de algum tipo de violência em seu ambiente de trabalho. Até 33,7% sofreu discriminação na própria vizinhança e 27,6% no trajeto do trabalho para casa. A Fiocruz avalia que a violência tem relação com a exposição do trabalhador ao vírus, em que a população o vê como um potencial transmissor.
“Se não bastasse esse cenário desolador, esses profissionais de saúde experienciam a privação do convívio social entre colegas de trabalho, a privação da liberdade de ir e vir, o convívio social e a privação do convívio familiar”, elenca Maria Helena.
Impacto das fake news
Outro obstáculo encontrado por médicos, enfermeiros e técnicos de saúde são as fake news. Ao abordar as percepções desses trabalhadores sobre o impacto das notícias falsas, mais de 90% admitiram que elas são um problema para o combate à pandemia. Três em cada quatro profissionais ainda relataram terem atendido pacientes com crenças falsas sobre a pandemia, relacionadas, por exemplo, a adoção de medicamentos ineficazes e sem comprovação científica.
O posicionamento de algumas autoridades também prejudicou o trabalho de quem luta pela vida dos pacientes com covid-19. Ao menos 70% dos trabalhadores da saúde reprovaram declarações que consideram “inconsistentes e não esclarecedoras”.
FONTE: REDE BRASIL ATUAL
FOTO: freepik