Ex-presidente do Conselho, Iolete Ribeiro da Silva, fala ao GGN sobre as ameaças em torno das eleições para o funcionamento do órgão e os recentes ataques da ministra Damares Alves sobre resolução que protege meninas em privação de liberdade no sistema socioeducativo
O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), maior mecanismo brasileiro de defesa da infância, inicia 2021 com suas atividades paralisadas, em razão do Decreto 10.003/19, do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), que alterou drasticamente o funcionamento e a estrutura do órgão, braço do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Com isso, as eleições do colegiado para o biênio 2021-2022 ainda não foram realizadas e seguem sem previsão. O GGN conversou com a ex-presidente do Conselho, Iolete Ribeiro da Silva, psicóloga tocantinense do Conselho Federal de Psicologia.
Assinado em 4 de setembro de 2019, o Decreto de Bolsonaro cassou o mandato dos conselheiros da sociedade civil, legitimamente eleitos a época; determinou a redução do número de conselheiros de 28 para 18, retirando cinco vagas da sociedade civil – até então divididas igualmente entre membros da sociedade civil e do governo federal; alterou o processo de escolha desses membros, de eleição para indicação; ordenou que as reuniões mensais do órgão, antes realizadas presencialmente, passassem a ser trimestrais e por videoconferência; entre outras mudanças.
Em dezembro de 2019, no entanto, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu trechos do Decreto, por meio de decisão liminar, a partir de uma ação ajuizada pela Procuradoria-Geral da República.
Com isso, os mandatos dos conselheiros eleitos foram restabelecidos, também foi mantida a eleição dos representantes das entidades da sociedade civil em assembleia específica, a escolha do presidente do Conanda por seus pares, a realização de reuniões mensais, além do custeio do deslocamento dos conselheiros que não residem no Distrito Federal.
Foi, então, em fevereiro de 2020, que Ribeiro da Silva assumiu o órgão para o biênio 2019-2020, que encerrou no último 31 de dezembro. A partir disso o Conanda foi novamente paralisado e deve seguir assim, até que o plenário do STF, agora em recesso, aprecie a ação de suspensão do Decreto de Bolsonaro.
“O apelo é que o STF julgue essa ação, é importante que priorizem a votação desse processo para ter uma definição. Com a decisão liminar [de Barroso], o julgamento foi pautado para outubro de 2020, mas não foi apreciado. É importante que haja esse julgamento e que a sociedade democrática defenda a infância, defenda o Conanda”, disse Ribeiro.
A ex-presidente do Conselho falou sobre a importância dos trabalhos do órgão na garantia dos direitos dos menores, principalmente, em meio a crise sanitária consequência da pandemia da Covid-19, que explodiu no país em março passado. “Neste período nós criamos diversas orientações e recomendações de proteção integral às crianças e adolescentes no contexto da pandemia, tanto para grupos específicos, como também sobre questões relacionadas a prevenção e enfrentamento da violência doméstica e sexual, que ampliou em função das crianças estarem em casa”, explicou.
Ribeiro, agora, realiza campanha nas redes sociais em defesa da realização de eleição para o que Conanda volte suas atividades e garanta a proteção dos menores, por meio das hastags #eulutopelasadolescentesdoSINASE #eulutopeloCONANDA.
“O Conanda é muito importante para o país, porque nossas crianças e adolescentes vivem em meio a violações de direitos, de vulnerabilidades. No período em que o país passa por uma crise, a infância é o setor mais afetado. Precisamos defender esse instrumento”, completou.
As falácias de Damares Alves sobre o trabalho do Conselho
Os ataques do governo Bolsonaro sobre o Conanda ganhou novos episódios no mês passado, a partir da aprovação do Conselho de uma resolução que estabelece diretrizes para o atendimento de meninas que estão cumprindo medidas socioeducativas em regime fechado.
No artigo 41 do documento há um trecho sobre a possibilidade de visitas íntimas a menores infratores. Nele diz que “deverá ser garantido o direito à visita íntima para as adolescentes, independentemente de sua orientação ou identidade e expressão de gênero, nos termos do artigo 68 da Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012”.
A ministra de Bolsonaro, Damares Alves, que dirige o Ministério responsável pelo órgão, logo se apressou para demonstrar repúdio ao texto, que considerou “ilegal, inoportuno”. “Nós vamos financiar um motel para crianças e adolescentes?”, questionou durante entrevista ao SBT.
Segundo Ribeiro, a ministra Damares, claramente, não considerou a complexidade e a importância da resolução na defesa dessas meninas. “A resolução combate a violência sexual que ocorre dentro das unidades socioeducativas, combate a violência de gênero de forma geral e o racismo nas unidades femininas. Essas adolescentes ficam em uma situação de vulnerabilidade muito grande e sofrem com a violência institucional, que compromete a execução da medida socioeducativa”, pontuou.
“Esse tema de gênero e da sexualidade sempre gera resistência no âmbito do ministério dos Direitos Humanos atual. Houve toda uma distorção para falar que nós estamos transformando as unidades em motéis, que estávamos regulamentando o estupro de vulnerável, mas é exatamente o contrário. As inspeções acompanhadas pelo mecanismo de prevenção e combate a tortura e pelo Conanda identificaram violações, inclusive, de abuso sexual dentro das unidades, cometidas por servidores que atuam como agentes socioeducativos, homens que fazem o trabalho em unidades femininas e que isso já é uma inadequação. A aprovação da resolução também significa o reconhecimento de que existe racismo nessas instituições, as meninas sofrem opressões racistas, além da violência de gênero no sentido do não reconhecimento de suas identidades’, continuou Ribeiro.
A ex-presidente do Conselho destacou, ainda, que os conselheiros do governo federal nada fizeram durante os debates sobre o texto no sentido de propor alterações na resolução, aprovada por 14 votos contra 9 desfavoráveis.
“O texto foi construído durante um longo período, foram pouco mais de dois anos, muitos debates, ocorreu consulta pública, o governo [Bolsonaro] sabia dessa texto. Inclusive, houve pedido de vistas na assembleia anterior [da aprovação], então os conselheiros do governo tiveram um prazo para analisar e sugerir alguma contribuição e não fizeram. Mas, fora do espaço de discussão de deliberação, o governo cria todas essas informações inverídicas para mobilizar toda essa reação de conservadores em relação ao Conanda e a resolução”.
Resolução não autoriza visita íntima a menor infrator de 12 anos
Após as manifestações do governo contra a resolução, entidades que votaram a favor do texto, como o Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), se manifestaram a fim de esclarecer a verdadeira finalidade do texto.
Em nota, a CNBB afirmou que todos os pontos tratados na resolução foram “previstos anteriormente em leis federais”. Já nas redes sociais do Conanda, Ribeiro realizou uma transmissão ao vivo para explicar o texto, que “atenta para peculiaridades de meninas: como a necessidade do fornecimento de absorventes; acompanhamento por agentes socioeducativas mulheres, de modo a reduzir os riscos de violência sexual; a vedação ao vídeo-monitoramento em locais em que haja troca de vestimenta; vedação de revista corporal com desnudamento; garantia de acesso a educação e profissionalização; medidas de promoção a saúde física e metal, inclusive na prevenção de infecções sexualmente transmissíveis; previsão especial a adolescentes gestantes e mães; capacitação de funcionárias; medidas de enfretamento ao racismo e discriminação de gênero; assegura medidas para o exercício da individualidade afeto e sexualidade, de modo a mitigar a discriminação entre meninas lésbicas; além de detalhar a possibilidade de visita intima para meninas, já prevista em lei”.
Ainda sobre a desinformação propagada por Damares, a advogada criminalista do escritório Teixeira Zanin Martins, Lyzie Perfi, explicou as diretrizes da resolução em entrevista a ConJur. Segundo ela, a norma impede as visitas íntimas a partir dos 12 ao condicioná-las ao casamento ou à união estável, tendo em vista que, de acordo lei, só podem se casar pessoas com 16 anos ou mais.
“A resolução condiciona o direito à visita intima a uma condição prévia à internação: a existência de casamento ou união estável. Também é importante lembrar que as resoluções estão em ordem hierárquica inferior, devendo respeitar todas as leis federais sobre o assunto, assim como o Código Civil, o ECA e o Código Penal”, disse.
FONTE:GGN
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