Instituto Nacional do Câncer (Inca) afirma que exames de prevenção indiscriminados podem gerar “falsos positivos”
Há alguns anos, novembro tornou-se o mês oficial da prevenção ao câncer de próstata no Brasil. A campanha do Novembro Azul está espalhada por equipamentos de saúde, comerciais de TV, e na boca do povo. No entanto, entidades como o Instituto Nacional do Câncer (Inca) e até painéis do governo dos Estados Unidos sobre o tema não indicam a ampla realização de exames de rastreamento do câncer, chamado de PSA, e colocam em cheque sua eficácia em alguns casos.
O câncer de próstata é o segundo causador de mortes entre homens, atrás apenas do câncer de pulmão e de brônquios. Segundo o Ministério da Saúde, em 2018, foram 68,2 mil casos diagnosticados e 15,4 mil óbitos em decorrência da doença.
“No bolo de cânceres que um exame como o de próstata identifica, você tem cânceres que matariam e outros que não matariam a pessoa. Eles se desenvolveriam de forma muito lenta e, dependendo da idade dessa pessoa, ela viria a falecer por outros motivos e não pelo câncer”, explica Antonio Modesto, que é médico da família e leciona no curso de Medicina da universidade Unicid.
Segundo Modesto, há muitos “falsos positivos” nos testes de PSA, ou seja, pacientes que são diagnosticados por um câncer que não causaria nenhum sintoma, nem levaria a óbito. “Na tentativa de salvar um homem a cada mil, deixa-se pelo menos 10% deles com reações adversas da biópsia, como febre, infecção e sangramentos”, completa.
O médico sanitarista Arn Migowski concorda com essa análise. Ele é chefe da Divisão de Detecção Precoce e Apoio a Organização de Rede do Inca e aponta que não há pesquisas que comprovem a eficácia dos exames.
“O Inca não recomenda que homens procure exames de rastreamento de câncer de próstata, porque não existe evidência conclusiva para se fazer exames de rotina como o toque retal e o PSA. Se houver benefícios, eles são pequenos e raros de acontecer”, completa.
O Novembro Azul foi idealizado pelo Instituto Lado a Lado pela Vida e especialistas em campanhas de promoção da saúde, em parceria com a Sociedade Brasileira de Urologia. O médico de família Antonio Modesto, porém, alerta que há interesses da indústria farmacêutica em uma ampla detecção de casos de câncer.
“Quando você consulta páginas de congressos de urologia, você vê que eles são financiados, em grande parte pela indústria farmacêutica, ou pela indústria de insumos médicos. Então, há interesse da Sociedade nos diagnósticos. Mais diagnósticos, mais tratamentos, mais material vendido”, explica o médico.
O 36º Congresso Brasileiro de Urologia, realizado em 2017, no Ceará, por exemplo, contou com um espaço de expositores destinado basicamente a empresas farmacêuticas, entre elas a Bayer, a EMS, GSK, Ache, entre outras.
A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com o Instituto Lado a Lado pela Vida e com a Sociedade Brasileira de Urologia. Assim que houver respostas, serão acrescentadas à matéria.
Conscientização
É recomendável que homens dentro dos parâmetros de incidência da doença e que apresentem sintomas como micção frequente, fluxo urinário fraco ou interrompido, vontade de urinar frequentemente à noite, sangue na urina ou no sêmen, disfunção erétil, procurem um médico.
Esse foi o caso do aposentado Balduíno dos Santos. Ele comenta que não procurou ajuda, mesmo após sentir alguns dos sintomas característicos da doença, por vergonha. “Eu sofri muito. Eu não ia fazer [o exame], eu fiquei muito tempo para fazer. Quando eu fui procurar o médico certo para o problema, já estava bem mal”, relata.
Santos faz o acompanhamento de seu caso há quatro anos no Centro de Referência da Saúde do Homem, em São Paulo, local especializado no tratamento do câncer de próstata. A doença, segundo ele, está controlada.
O técnico em sistema mecânico Gerson Buzo também faz tratamento no Centro de Referência, que realiza cerca de 3 mil atendimentos todos os meses. “Até os 60 anos, eu não senti nada. Quando comecei a ter problemas na questão urinária, parti para uma Unidade Básica de Saúde (UBS) para ver como funcionava”. Buzo faz o acompanhamento no Centro há 5 anos.
Membro do Conselho Gestor de Saúde da Zona Norte, ele conta que “a cultura brasileira é muito pobre nisso, eles não procuram. Nós conversamos no Conselho com o pessoal, mas eles se recusam”. “Quando o cara vem para o profissional, ele já vem com uma situação atenuada de um possível tumor”, lamenta.
FONTE: BRASIL DE FATO
FOTO: José Eduardo Bernardes