Linguagem neutra: prática inclusiva busca combater preconceito estrutural

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Especialista ressalta que a reflexão sobre o assunto precisa partir de um esforço coletivo e inclusivo

Nessas duas primeiras décadas do século, uma discussão sobre os preconceitos embutidos na linguagem se fortaleceu entre os movimento LGBTQIA+. A pauta passou a integrar a lista dos temas mais fundamentais no debate sobre a inclusão dessas pessoas e o combate à intolerância.

Para falantes da língua portuguesa, um idioma marcado pela separação de gênero, os desafios são ainda maiores e até mesmo mais explícitos. Atualmente, é consenso que praticar a comunicação não binária – com mais possibilidades, além de feminino e masculino – passa necessariamente por um processo de reflexão.

Mais do que uma simples substituição de pronomes e artigos, a mudança prevê que sejam pensadas novas formas de expressão. “A linguagem inclusiva é um conjunto de práticas para transmitir uma ideia ou informação sem que ninguém se sinta excluído, invisibilizado, ofendido”, afirma a especialista Gabriela Augusto.

Ela é fundadora da Transcendemos, iniciativa que oferece consultoria para auxiliar organizações a se tornarem mais inclusivas. No trabalho do grupo, o avanço das práticas de comunicação é visto como um dos pilares do projeto, que deve alcançar não só a comunidade LGBTQIA+.

Em entrevista para o programa Bem Viver, Gabriela explica que a importância da demanda parte de pontos estruturais da sociedade,

“Temos 300 pessoas em um auditório, 299 são mulheres, mas automaticamente as pessoas começam a se referir àquela multidão no masculino. Será que isso é razoável?”

Para resolver essa primeira parte do problema, segundo ela, é possível que novas formas de expressão sejam pensadas, em um processo de expansão das possibilidades. “Ao invés de a gente usar um bem-vindo ou bem-vinda, por que a gente não fala que bom que você veio?”

O uso do masculino como padrão pode ter consequências que se desenvolvem de maneira sutil, mas marcam o contexto social fortemente. Gabriela lembra, por exemplo, que anúncios de emprego no masculino têm potencial de reforçar as dificuldades das mulheres no mercado de trabalho.

Mas a discussão vai além, busca também formas neutras que substituam as tradicionais ele e ela, os e as e variações.

Na internet, o movimento teve início com o uso de símbolos como o @ (arroba). No entanto, a impossibilidade de levar a mudança pra fala trouxe desafios e a prática se mostrou excludente para a leitura de deficientes.

O arroba deu lugar a pesquisas de possibilidades mais factíveis para o cotidiano, “Quando a gente fala de comunicação inclusiva, a gente pode pensar no uso do E, para tornar essa comunicação mais amigável a pessoas não binárias”, destaca Gabriela.

“A gente pode usar ‘todes’, ‘amigues’, ‘convidades’, é uma estratégia que tem sido utilizada. Há pessoas que utilizam o pronome neutro, como ile e dile (no lugar de ela/ele e dela/dele). É claro que esse tipo de construção é mais complexa, mas é importante lembrar que é uma demanda da comunidade”, complementa ela.

A diminuição de marcadores de gênero da linguagem está longe de ser um debate exclusivo do movimento LGBTQI+, segundo Gabriela. “Quem não se posiciona é posicionado. Se a gente não se atenta a essas mudanças, a gente fica para trás”, alerta.

“Na medida em que você adota esse conjunto de práticas da comunicação inclusiva, você está se posicionando à favor da diversidade. É importante para trazer pertencimento. Você está demonstrando que você é uma pessoa que se importa e que você quer um mundo mais justo para todos, todas, todes”.

Fonte: Brasil de Fato