Jornada de 30 horas, acesso a equipamentos adequados e melhores salários ainda são demandas centrais da categoria
Nesta terça-feira (12), comemora-se o dia internacional da enfermagem. Durante o período da pandemia que assola todo o globo, a importância do trabalho desses profissionais não poderia estar mais clara: são eles que recebem os infectados, os acolhem e checam diariamente suas condições físicas, emocionais e psicológicas. São eles também, muitas vezes, as últimas pessoas que têm contato com aqueles que não resistem à doença.
A coragem e honradez da profissão têm sido motivo de homenagens por todo o mundo, porém, na realidade, a situação desses profissionais enquanto classe, tem poucos motivos para comemoração.
Durante esse período de pandemia, os riscos para os profissionais aumentaram. Até agora, no Brasil, há mais de 160 mil infectados. Destes, segundo informa o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), cerca de 12 mil são enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem entre infectados e suspeitos de terem contraído a doença. Todos foram afastados com suspeita ou confirmação de terem contraído o novo coronavírus. Infelizmente, 94 já perderam a própria vida.
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O Brasil hoje é o primeiro país do mundo em mortes de profissionais de enfermagem, superando os Estados Unidos, Espanha e Itália juntas. O número de profissionais mortos no país em decorrência do novo coronavírus representa cerca de 38% do número de mortes em todo o mundo, contabilizado em 260 casos pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Luta por direitos
No Brasil, há mais de 30 anos a categoria vem lutando pela redução de jornada de 30 horas semanais, adequação fundamental para amenizar a sobrecarga e stress próprias das funções.
“As pessoas tratam como linha de frente, mas eu particularmente não gosto muito desse tratamento porque o dia a dia conta mais. Nós temos instituições com um único enfermeiro tratando 44 pacientes em 12 horas. Eu acho que poderia ter um investimento maior em área de trabalho.” afirma Isadora Renata, auxiliar de enfermagem que atua na área de pediatria e saúde da família há mais de 5 anos, em Ilha Grande.
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Enfermeira fiscal do Conselho Regional de Enfermagem (Coren), Viviane Camargo Santos, concorda, e acrescenta que nessa data, mais que aplausos em homenagem aos profissionais, o fundamental seria destacar medidas práticas de reconhecimento da profissão.
É uma categoria que a gente sai de um trabalho entra em outro, e às vezes até em outro terceiro. Muitas vezes a gente mal dorme em casa. E porque a gente faz isso? Porque a gente não tem salários dignos. Isso acarreta os duplos ou triplos vínculos muitas vezes. Além disso, a gente sabe que quanto mais trabalhamos por um período prolongado, a atenção cai, e a gente aumenta o risco de colocar as pessoas que estão sendo atendidas, também em risco.
Assista reportagem em vídeo do Brasil de Fato
Déficit de profissionais e sobrecarga
Hoje o Brasil conta com mais de dois milhões de profissionais dessa área, entre eles enfermeiros, auxiliares e técnicos de enfermagem. Porém, segundo a OMS, há déficit de profissionais nessas área em todo o mundo.
No relatório mais recente lançado pela organização, em abril deste ano, a estimativa é de carência de 6 milhões de profissionais na área. Nas Américas, o déficit seria em torno de 800 mil trabalhadores.
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Um dos motivos que explica tal cenário é justamente porque faltam boas condições de trabalho: as jornadas são muito longas, os salários insuficientes e os riscos muito altos.
“A gente pode dizer que é a única categoria que atua 24 horas diretamente com o paciente. E nós estamos adoecendo muito por conta disso. Por conta da jornada extensa. Ficamos aí muitas e muitas horas expostas, muito mais do que qualquer profissional”, aponta a enfermeira fiscal do Coren.
Isadora Renata, que deu seu relato no seu horário de intervalo também concorda com a sobrecarga.
A gente sempre encontra profissionais muito estafados, muito fatigados, existem múltiplas cargas de trabalho e acredito que isso interfere bastante no contexto geral do profissional de saúde.
Falta de equipamentos
Causa comum para a contaminação é a falta de equipamentos de proteção individual, ou a quantidade insuficiente desses itens ou ainda a qualidade dos materiais.
“A gente trabalha em situações adversas. Muitas vezes com equipamentos de proteção, no caso da covid-19, inadequados, escassos, sem treinamento”, afirma Souto, que é responsável pela fiscalização do uso dos EPIs nas instituições de saúde.
A falta de atenção dada a esses profissionais no Brasil fica mais clara quando comparados com as condições de outros países.
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No contexto brasileiro, em que o líder do governo questiona a gravidade da pandemia e estimula constantemente a quebra do isolamento proposto como regra mundial pela OMS, esses profissionais têm ainda que lidar com ataques e perseguição.
Caso emblemático aconteceu no último dia 1, em Brasília, onde profissionais da saúde realizavam uma manifestação simbólica e pacífica em Brasília, reivindicando melhores condições de trabalho, e foram atacados por militantes bolsonaristas.
No vídeo que registrou o momento e circulou pela internet, foi possível ver três agressores, e ouvir a fala de um deles: “Vocês amanhã vão pagar por tudo o que vocês estão fazendo com a nação, seus covardes. Vocês consomem o nosso fruto do suor, nós construímos essa nação. O dia que os empresários pararem de trabalhar nessa terra, vocês não receberão”.
Sobre o caso foi descoberto que um dos manifestantes que proferiu o ataque era Renan da Silva Senna, funcionário terceirizado do governo que compõe quadro do ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, chefiado por Damares Alves.
O Conselho Regional de Enfermagem (Coren) pediu que as vítimas registrem as ocorrências individualmente e o Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) entrou com uma representação no Ministério Público contra os três agressores dos enfermeiros e protocolou o documento na delegacia para abertura de inquérito policial.
“Não é admissível que os profissionais que estão fazendo tudo que podem pela saúde das pessoas passem por esse tipo de situação. Não é admissível que ninguém passe, menos ainda quem está fazendo o que pode para salvar vidas” diz Viviane Camargo Souto.
O Cofen também ativou um serviço de comunicação para realizar atendimento psicológico para os profissionais de saúde, como forma de tentar minimizar a carga de stress que vêm sofrendo nos últimos tempos. O serviço pode ser acessado pelo site da instituição.
“Lá tem toda uma equipe capacitada em saúde mental especializada, para ajudar no suporte desses profissionais. Porque não tem sido fácil trabalhar com todas essas questões e ainda ser hostilizado por estar fazendo o seu melhor” afirma a enfermeira fiscal.
Apesar da rotina pesada, stress e falta de reconhecimento, Isadora diz sentir orgulho da sua profissão, que é fundamental para apoio físico e emocional das pessoas, em seus momentos mais frágeis. Hoje, mais do que nunca.
Eu costumo falar que eu trabalho com amor não por amor, eu gosto muito do que faço me identifico muito. Eu escolhi estar aqui e o paciente não, sendo assim, o lado positivo é esse. Eu me orgulho de contribuir para sociedade de alguma forma, desenvolver minha parte técnica cada paciente tem uma individualidade. A gente não tem respostas para todas perguntas, não tem cura para todas as dores, mas a gente tenta, a gente tenta fazer nosso melhor, de forma que atenda a demanda do paciente. Então isso que me faz ter orgulho.
FONTE: BRASIL DE FATO
FOTO: Miguel Schincariol / AFP