Para economistas, o discurso de que Estado não podia aumentar gastos não se sustenta

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Especialistas reafirmam que investimento do governo será fundamental durante e após a pandemia

Com mais de 10 mil mortes, até sábado (09), e ultrapassando os 155 mil casos confirmados do novo coronavírus, o Brasil vê a pandemia em plena ascensão no país e os efeitos da crise econômica devem perdurar por muito mais tempo do que se poderia imaginar.

Economistas entrevistados pelo Brasil de Fato avaliam que os principais alicerces do capitalismo neoliberal foram completamente derrubados e que a recuperação brasileira, e de outros países, só será possível com um novo desenho da economia de mercado, especialmente em relação ao papel do Estado.

“Aquele discurso de que o Estado estava quebrado e não tem dinheiro provou-se mentiroso. Os mesmos economistas que falavam que não tinha dinheiro para zerar a fila do Bolsa Família e tirar as pessoas da miséria, agora falam que tem dinheiro. Esse mito de que o Estado não tem como gastar era falso. O Estado tem como fazer isso”, afirma Guilherme Mello, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e diretor do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica, vinculado à universidade.

No mundo inteiro, o enfrentamento da crise econômica causada pela pandemia tem sido uma forte expansão dos gastos públicos, com o objetivo de sustentar a renda das famílias, das empresas e funcionamento geral da economia. São recomendações feitas pelo próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) e outros organismos internacionais, e que vêm sendo aplicadas nas principais economias desenvolvidas do planeta, como Estados Unidos e países da Europa e da Ásia.

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A velha cartilha ideológica neoliberal, segundo a qual o Estado não pode gastar mais do que arrecada, como em uma família ou numa empresa, não se aplica à realidade da atual crise.

“Muito diferente das famílias e das empresas, o Estado brasileiro não tem constrangimentos monetários ao seu gasto, porque tem moeda própria (real), então ele pode gastar mais do que arrecada, aumentando o endividamento público”, afirma Juliane Furno, doutoranda em economia pela Unicamp e colunista do Brasil de Fato.

Imprimir moeda

Um tema que tem mobilizado o debate público entre economistas nas últimas semanas é justamente a ampliação da base monetária do país por meio da chamada “impressão de moeda”, algo que, na prática, é quando o Banco Central (BC) compra títulos públicos do Tesouro Nacional injetando dinheiro novo na economia, por meio da ampliação de gastos públicos.

“A moeda pode ser emitida, ela é uma relação social construída com base na confiança”, explica Guilherme Mello. A alternativa também é defendida pelas principais lideranças de oposição no país, como ex-presidente Lula, em recente debate virtual. Até mesmo o ultraliberal ministro da Economia, Paulo Guedes, admitiu, há alguns dias, a possibilidade de “imprimir moeda”, já que os efeitos sobre inflação, em um momento que a economia está completamente paralisada, seriam nulos.

A chamada “monetização da dívida”, termo técnico usado quando o BC compra títulos públicos diretamente do Tesouro, ou seja, imprimir moeda, precisaria de uma mudança legal para entrar em vigor. A outra forma de ampliar os gastos públicos, mais simples, é aumentando o endividamento por meio da emissão de títulos públicos no mercado.

A Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que cria o chamado “orçamento de guerra”, já aprovada no Congresso Nacional, deve facilitar esse tipo de operação, já que suspende os efeitos de amarras fiscais como a “regra de ouro”, que proíbe o endividamento público para determinados gastos correntes. “Não há problema nenhum nisso. Quando o endividamento é na própria moeda, diferentemente da dívida externa, o Estado pode determinar o prazo de pagamento, com a rolagem da dívida, e a taxa de juros. Nenhum Estado nunca quebrou no mundo com dívidas na própria moeda”, argumenta Juliane Furno.

Pós-pandemia

Se durante a pandemia do novo coronavírus, economistas de diversas correntes concordam que os gastos públicos devem aumentar, a forma de lidar com esse tema quando a economia se normalizar tende a separá-los novamente. Um estudo coordenado por Guilherme Mello no Instituto de Economia da Unicamp, e divulgado no mês passado, mostra que o Estado deverá seguir desempenhando um papel central na aplicação dos investimentos, os agentes econômicos ainda estarão fragilizados.

Outra questão importante, diz o artigo, é a necessidade de uma reforma tributária de caráter progressivo, ampliando a tributação de renda e patrimônio e reduzindo os encargos sobre o consumo.    

“Em primeiro lugar, será preciso reconstruir instrumentos públicos de coordenação do investimento, uma vez que o setor privado tende a sair muito frágil do ponto de vista financeiro, mais endividado e com menores receitas. Em segundo lugar, será preciso pensar em reconstituir os mecanismos de financiamento do Estado, promovendo reformas tributárias centradas em altas rendas e grandes patrimônios. Por fim, essas duas mudanças conjugadas abrirão espaço para repensar o modelo de capitalismo que prevaleceu mesmo após a crise de 2008, ainda que abalado em suas estruturas crescentemente incapaz de promover o crescimento econômico e a inclusão social”, aponta o estudo.

Na opinião da economista Juliane Furno, é fundamental que Estado siga garantindo promovendo investimentos após a pandemia. “É preciso manter o volume de gastos para evitar uma recessão prolongada, que poderá se transformar até em depressão econômica”.

Do lado oposto, economistas neoliberais devem pautar novamente o ajuste fiscal com redução do “tamanho do Estado” como forma de reduzir o endividamento. A expectativa de Paulo Guedes é voltar à carga com a venda de estatais e corte de gasto com serviços públicos. “É uma loucura. A economia está em frangalhos, as empresas estatais não estão valendo nada, vão querer vender a preço banana?”, questiona Guilherme Mello.

FONTE: BRASIL DE FATO
FOTO: Marcos Santos / USP Imagens

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