Quando a fome bate à porta: o drama da insegurança alimentar no Norte e no Nordeste

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Lares maranhenses têm o pior índice de segurança alimentar do país, conforme dados do IBGE referentes a 2017 e 2018

Maria Machado tem 74 anos, é aposentada, mas trabalha como diarista para conseguir sustentar a mãe, de 106 anos. Ela ainda cuida de dois filhos, um deles portador de necessidades especiais. O marido a abandonou com cinco filhos. Desde então, Maria se esforça para manter as contas pagas e a comida na mesa todos os dias.

“Aqui em casa a gente come porque sabe que tem que comer. A carne, o feijão, o açúcar… é caro demais. Filha, todo dia eu falo, não pode jogar um ‘caroço de arroz’ fora porque vai fazer falta”, relata. “É melhor a gente economizar e ter o pão de cada dia do que a gente estragar e passar fome. Porque se nego brincar, a gente passa fome, filha”.

Maria mora em Imperatriz, segunda maior cidade do Maranhão, e vive uma realidade que se assemelha à de milhares de outras Marias. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referentes aos anos 2017 e 2018, as regiões Norte e Nordeste apresentam os maiores índices de insegurança alimentar do país: 43% dos domicílios do Norte e 49,7% dos lares do Nordeste não tinham acesso pleno e regular a alimentos. A insegurança alimentar é maior nos lares em que as mulheres são chefes de família. 

Os números seguem a tendência de aumento da fome no país – 43,7% em cinco anos. Dados divulgados em 2020 mostraram que o cenário da segurança alimentar no Brasil piorou pela primeira vez, e os lares maranhenses aparecem em último lugar nesse quesito – ou seja, estão mais próximos da fome.

“Não tem mais orçamento, não tem mais financiamento público para isso. Quer dizer, foram atacados exatamente os dois pontos chaves de políticas sociais implantadas nos governos democráticos e populares”, avalia o secretário-executivo do Fórum dos Gestores e Gestoras Responsáveis pelas Políticas de Apoio à Agricultura Familiar do Nordeste, Eugênio Peixoto.

“De um lado, o combate à fome: o Brasil tinha saído do Mapa da Fome. E, segundo, toda uma estrutura de apoio à agricultura familiar, à reforma agrária, que foi sendo desmontada gradativamente. Então houve uma ação pública, um desrespeito público à realidade da sociedade brasileira”, completa o especialista.

:: Confira o estudo “Produção de alimentos saudáveis: uma estratégia antifascista para combater a fome, da Eugênio Peixoto ::

Maria percebe a mudança ao longo dos anos e conta que passou a recorrer a projetos sociais, que fornecem cestas básicas “quando a situação aperta”. Os gastos com medicamentos são prioridade e consomem quase um terço do orçamento dela e da mãe.

Quando ela se refere aos gastos mensais, a comida fica em último lugar.


Aposentada, Maria Machado alimenta a mãe, de 106 anos e mais dois filhos. / Arquivo Pessoal

“Minha mãe tem o salário dela, mas tem o remédio, tem a fralda, o sabonete, tem a comida e tem a merenda dela, que é sagrada. Minha amiga, antigamente a gente até guardava um dinheirinho, hoje a gente não tem”, lamenta.

Sobre a alimentação inadequada, a nutricionista Hellen Passos alerta que não se trata apenas de comida. “Ela é caracterizada pela ingestão insuficiente, por não conseguir contemplar as necessidades diárias que o individuo precisa. Porém, nosso corpo necessita da água para manter o equilíbrio e também ajudar no funcionamento, porque ela ajuda a regular, a melhorar a absorção junto com os minerais”, ressalta.

Em relação ao Maranhão, especificamente, o estudo aponta um ponto positivo: o alto índice de alimentos in natura. A estatística aponta para o caminho indicado por Peixoto, que é o fortalecimento da agricultura familiar e da reforma agrária no país.

São os alimentos in natura que alimentam a população mais pobre do país e ainda fornecem uma alimentação mais nutritiva do que os ultraprocessados. O maior consumo de alimentos naturais se dá no Maranhão, com 67,27%, e a menor em Pernambuco, com 48,76%.

“Se você já tem uma cultura de alimentos saudáveis, como é o caso do Maranhão, do Piauí, aliás, praticamente de todo o Nordeste, facilita para se avançar no processo de atendimento das políticas de segurança alimentar a partir da produção local”, explica Peixoto. “É a produção in natura, a produção da mandioca, do feijão, do arroz, do frango, do porco, da cabra, do bode, do leite, do peixe, que permite conciliar o atendimento das demandas por alimentos saudáveis com as políticas de inclusão produtiva”, finaliza o especialista.  

FONTE: BRASIL DE FATO
FOTO:  Agência Brasil