Se provadas, as denúncias contra a Prevent Senior revelarão a peça que faltava ao quebra-cabeças do morticínio: a peça lucrativa. Prevent Senior viu, na pandemia, seu faturamento líquido subir de R$ 3,6 bilhões para R$ 4,3 bilhões entre 2019 e 2020. Quantas cobaias humanas são necessárias para que se lucre bilhões?
Quantas cloroquinas —entre as 3,2 milhões produzidas em 2020 pelo Exército— foram necessárias para intoxicar velhinhos e liberar espaço para o próximo? Lucro requer eficiência. O fordismo pandêmico inclui a linha de produção da morte: negacionismo, assassinato precoce, fraude da causa de morte e intimidação.
Lucro demanda que a morte seja tão insignificante que vire um ritual burocraticamente macabro. Diretor da Prevent Senior, Pedro Batista admitiu nesta quarta-feira (22) à CPI da Covid que a operadora alterava o código de diagnóstico dos pacientes após 14 dias de internação. Alterar código em uma pandemia é eufemismo para fraude por meio de ocultação de cadáver.
Quanto se lucrou com o silêncio de 123 funcionários do hospital da Prevent Senior sobre a causa mortis do médico negacionista Anthony Wong, que morreu de Covid? Quanto mais Luciano Hang lucrou com seu negacionismo, a ponto de ser ocultada a Covid-19 do prontuário de sua mãe? Em algum momento vendemos o senso de humanidade que nos restava a juros do sangue alheio.
Não se faz morticínio sem lucro. Escravidão era um sistema econômico, e os negros doentes eram jogados do navio aos tubarões. Bancos suíços lucraram com contas de vítimas do Holocausto. Seguradoras e bancos financiaram a construção de Auschwitz. Pentágono gastou US$ 14 trilhões com Afeganistão, parte significativa com empresas privadas de segurança.
Para contar por que 591 mil morreram de Covid faltava-nos entender quem lucrou com essas mortes; ao que parece não mais. Os caixões dos mortos não contados estão cheios do vil metal: honrá-los requer prender quem com eles lucrou.
Thiago Amparo
Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.
Fonte: Folha de São Paulo
Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado