Desigualdade, a face terrível da pandemia nos países pobres

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Falta compromisso do presidente da República do Brasil com a pandemia. Cidades que são epicentro da doença têm recebido o mesmo volume de dinheiro que cidades no interior

Uma das faces mais terríveis da pandemia de covid-19, sobretudo nos países pobres, certamente é a da desigualdade. Não se pode negar que a vulnerabilidade que abarca imensa parcela da população do nosso país é também um grave fator de risco. Além disso, pesa sobre nós o agravante do péssimo gerenciamento das ações de enfrentamento da doença pelo governo federal, o que onerou e tem onerado imensamente Estados e municípios.

A antecipação de ações contra a pandemia, que chegou ao Brasil em meados de março, e a coordenação em questões mais gerais, como fechamento de cidades que serviram de porta de entrada da doença, por exemplo, poderiam ter poupado muitas vidas. E isso só não aconteceu – é preciso que se diga – pela total falta de comprometimento do atual presidente da República com a questão. Pelo que se observou de como a doença avançou na China, na Europa e nos EUA, seria possível uma ação política mais efetiva, que evitasse a escalada da doença e uma crise econômica tão profunda, agravada pela desigualdade.

Há inúmeras evidências que provam a ausência de liderança no combate da pandemia. Embora o Congresso venha aprovando leis estabelecendo recursos para os municípios, há responsabilidades executivas que precisam ser assumidas com seriedade, tanto para que o dinheiro chegue logo ao destino, como para que sua distribuição entre municípios de diferentes portes seja adequada. Não é o que se vê. Além do atraso no repasse das verbas, cidades que são epicentro da doença têm recebido o mesmo volume de dinheiro que cidades no interior do país, onde a doença demorou bem mais a chegar.

Compra de respiradores

Muito se falou também sobre como os governos estaduais entraram na corrida pela compra de respiradores. Esse não foi um problema apenas local. As notícias dão conta de que muitos outros países também enfrentaram dificuldade para adquirir equipamentos, em geral, fornecidos pela China. Mas sem coordenação governamental, tudo se tornou mais complexo. Por mais óbvio que pareça, não se pensou em, como alternativa, adquirir componentes e incentivar a produção internamente, diminuindo o tempo de espera para que os aparelhos chegassem às UTIs.

desorganização da estrutura hospitalar também tem apontado para a dramática desigualdade social que nos caracteriza nesta pandemia. De acordo com uma pesquisa do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde, quase 15% da população brasileira exclusivamente dependente do SUS não conta com leitos de UTI na região em que reside. A concentração dos leitos nos grandes centros e nos hospitais privados torna desumana a busca da população mais pobre por uma internação nesse contexto da pandemia.

Jogo de empurra

Sem a capacidade ou vontade política de instituir uma fila única de leitos dos sistemas público e privado, o governo federal jogou para os Estados e municípios a decisão sobre como conduzir essa má distribuição sanitária. Em São Paulo, o governo estadual também abriu mão de criar leitos SUS dentro na iniciativa privada, mesmo após a queda expressiva da ocupação na rede particular de hospitais, a partir da quinta semana de contágio. O governador deu grande ênfase às suas ações na Capital, criando abismos no atendimento entre as cidades mais pobres e mais ricas e entre bairros nobres e a periferia. Patrocinou o relaxamento das ações de prevenção sem coordenação com os municípios da Grande São Paulo, o que é um grande equívoco. Em Franco da Rocha, por exemplo, temos 30 mil embarques diários para São Paulo, de pessoas que vão trabalhar e que podem voltar contaminadas.

O que se percebe é que a falta de coordenação federal e estadual fez com que os municípios tomassem decisões menos assertivas. Em Franco da Rocha, entretanto, conseguimos mostrar agilidade em diversas frentes, realocando recursos para atender a pandemia, antecipando ações voltadas ao achatamento da curva de contágio, a promover o isolamento social e a orientar a população sobre os principais cuidados de prevenção.

Hospital de campanha

Nosso hospital de campanha ficou pronto apenas três dias após o primeiro caso confirmado de covid-19 na cidade. Desde então, os casos suspeitos têm sido todos direcionados para essa estrutura, a fim de evitar a entrada da doença nos equipamentos de saúde tradicionais. Toda demanda foi atendida e nosso índice de testagem de pacientes é maior que a média nacional. Ampliamos o horário de atendimento em nossas unidades de saúde e, mesmo sendo obrigação do governo do Estado a oferta de leitos de alta complexidade, contratamos 28 leitos de UTI da rede privada.

Para garantir a segurança alimentar da população, distribuímos cestas básicas para crianças que ficaram sem a merenda fornecida pelas escolas também três dias após decretação de quarentena na cidade, em 16 de março. Distribuímos 250 mil máscaras, e fizemos uma verdadeira guerra local de comunicação para orientar os cidadãos.

Estamos atentos às necessidades da nossa população mais carente e com menor capacidade de fazer isolamento. O resultado é que dos 102 óbitos pela doença confirmados até agora, nenhum foi por falta de atendimento.

Situação dramática

Mas sabemos que as consequências para os municípios serão graves. Dados do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) mostram que a queda de receita e o aumento de gastos será dramática nas cidades acima de 100 mil habitantes em 2020. O rombo pode chegar a R$ 30 bilhões, sendo que só a perda com a arrecadação do Imposto Sobre Serviços (ISS), principal tributo municipal, pode chegar a R$ 13 bilhões. Gastos com saúde e transportes serão os mais sentidos e certamente pressionarão as contas dos municípios.

O apoio que vem sendo oferecido é muito inferior às perdas estimadas. O cenário de devastação econômica e desemprego, agravado pela pandemia, afetará certamente os mais pobres. Prefeitos e prefeitas que saem do cargo este ano, mesmo que tenham trabalhado com seriedade para mitigar os efeitos da pandemia, dificilmente deixarão a casa totalmente em ordem. Por isso, é preciso um olhar ainda mais atento dos cidadãos que vão às urnas em novembro. A tarefa dos novos eleitos e eleitas será árdua e é imprescindível que tenham, além de qualidade administrativa, um olhar sensível, sobretudo para aqueles que perderam família, emprego e esperança. 

FONTE: REDE BRASIL ATUAL
FOTO: Marcello Casal / ABr