Até o dia 6 de agosto de 2020, a pandemia do novo coronavírus (covid-19) atingiu mais de 22.600 indígenas de 148 diferentes etnias em todo o Brasil, provocando a morte de mais de 600 pessoas, segundo dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), apurados pelo Comitê Nacional de Vida e Memória Indígena. Nessa conjuntura, há assistentes sociais atuando e lutando para garantir os direitos e a proteção do povo indígena em diferentes regiões do Brasil.
Por isso, neste domingo, 9 de agosto, Dia Internacional dos Povos Indígenas, o CFESS afirma: questão indígena é assunto para assistente social e precisa de visibilidade na categoria. A prova disso é o trabalho da assistente social indígena kaiowá Tatiane Martins, que atua no Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Indígena, na aldeia Bororó, no município de Dourados (MS).
Ela explica como foi importante a possibilidade de contratação de profissionais indígenas para atender às populações. “Dessa maneira, podemos contribuir de forma mais precisa para a construção de projetos, programas para um povo cuja realidade e cujas necessidades conhecemos de perto”, afirma Tatiane.
Tatiane relata que, dentro dos territórios indígenas, além dos problemas como a proteção do território, a disputa pela água e terras para cultivo, verifica-se uma grande dificuldade de acesso às políticas públicas. “No território em que habito, sentimos falta, por exemplo, do transporte público, da energia elétrica. Acredito que o fortalecimento da política de assistência social passa pela análise e atenção às especificidades dos povos indígenas, que também são usuários dos serviços sociais”, analisa a assistente social.
Arte: Rafael Werkema/CFESS
Lutas e desafios na pandemia
A pandemia da covid-19 chegou nos territórios indígenas de forma avassaladora. Nestes, vidas estão sendo perdidas em um ritmo crescente. Por isso, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) lançou o plano emergencial indígena de enfrentamento à covid-19 no Brasil (acesse o site e saiba como ajudar). Para se ter uma ideia, no Maranhão, um dos povos mais afetados, o Guajajara, registrou 30 dos 56 óbitos confirmados no estado até agora.
Uma das representantes do povo Guajajara é Arlete Viana dos Santos Guajajara, que reside na terra indígena Rio Pindaré, aldeia Januária. Segundo ela, um dos principais desafios enfrentados neste momento, e desde o início da pandemia, é o aumento expressivo das invasões nos territórios indígenas. “Estamos de mãos atadas, pois, com o enfraquecimento da política de fiscalização, nós mesmos acabamos nos responsabilizando pela proteção da nossa terra e, devido à pandemia, não temos conseguido fazer isso de forma efetiva, o que facilitou a entrada de invasores”, denuncia a líder indígena.
Além disso, ela ressalta que os órgãos públicos responsáveis pela saúde indígena não deram auxilio à população da região, acarretando em falta de equipamentos de proteção individual (EPIs), de medicamentos e também devido à escassez de profissionais da área da saúde. “A estratégia que encontramos foi fechar as portas para os não indígenas nas aldeias, porém ainda assim o vírus nos atingiu e perdemos pessoas. É muito triste, pois cada ancião que se vai significa uma parte da nossa história que se perde”, relata Guajajara.
Arte: Rafael Werkema/CFESS
Uma questão que a pandemia trouxe e desafia a atuação profissional de assistentes sociais com povos indígenas, segundo Tatiane Martins, que trabalha no Cras indígena em Dourados (MS), foi a garantia de EPIs também para os/as profissionais. “Além da dificuldade de garantir para os/as usuários/as indígenas, tivemos que lutar pelos nossos direitos enquanto profissionais também, para evitar, ao máximo, a transmissão da doença para as aldeias, já que muitos/as colegas se afastaram após o contágio”, observa a assistente social.
Outra grave realidade diz respeito a problemas anteriores à chegada da covid-19 ao país, como a redução do programa Mais Médicos pelo governo Bolsonaro, o fim das demarcações de terras indígenas e o discurso permissivo do presidente da República diante de atividades ilegais praticadas em territórios indígenas por invasores, como garimpo e extração de madeira, além das próprias invasões.
“Tentamos dialogar com o governo federal de diversas formas, mas, na impossibilidade, articulamos para aprovação do projeto de lei 1142/2020, hoje transformado em Lei nº 14.021/2020, que dispõe sobre medidas urgentes de apoio aos povos indígenas em razão da covid-19. No entanto, com os vetos do governo federal, ingressamos com a ADPF (arguição de descumprimento de preceito fundamental) nº 709, no Supremo Tribunal Federal, para garantia da nossa integridade e das nossas vidas”, explica Dinamam Tuxá, coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e advogado da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). (clique aqui para saber mais sobre o julgamento da ADPF, cujo resultado foi favorável à proteção dos direitos indígenas)
De acordo com Tuxá, uma realidade extremamente desafiadora no contexto da pandemia tem sido encontrar resistência em conseguir apoio dos órgãos governamentais que deveriam atuar pela defesa dos povos indígenas. “Enquanto lutamos pelo cumprimento do papel do Estado, temos nos articulado, com a realização de barreiras sanitárias, com o uso da nossa medicina tradicional, organizando doações e arrecadações voluntárias para a compra de EPIs e medicamentos e o duro combate às invasões das nossas terras”, completa o advogado.
Arte: Rafael Werkema/CFESS
A vice-presidente do CFESS, Maria Rocha, reafirma o compromisso do Conjunto na defesa intransigente dos direitos humanos e da luta social em favor dos povos originários. “Este é um momento em que todas as entidades e movimentos sociais precisam chamar a atenção do mundo para a situação vivenciada por indígenas no Brasil, e o CFESS traz um debate necessário à nossa categoria profissional: dar continuidade à campanha de combate ao racismo, no diálogo sobre a questão indígena, como também a denúncia do extermínio de índios/as no país”, conclui a conselheira.
FONTE:CFESS
FOTO: Rafael Werkema/CFESS