Sem punição dos crimes da ditadura civil-militar, setores que apoiaram o regime de exceção continuam na vida pública, adverte pesquisador da Unifesp
São Paulo – O ideário em favor da ditadura ainda está presente na sociedade brasileira, afirma o professor de Direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Renan Quinalha. E a face visível desse legado emerge da violência de Estado, praticada cotidianamente contra negros, pobres e periféricos pelas forças de segurança pública.
“Esse é o lado mais visível, que é justamente a violência de Estado e como ela ocupou a estrutura da segurança pública, o sistema de polícia, ainda que as polícias não tenham sido criadas na ditadura civil-militar, mas é na ditadura, no fim da década de 1960, mais precisamente em 1967, que elas vão sofrer uma reorganização institucional e as polícias militares vão se tornar ‘forças auxiliares e de reservas’ do Exército, uma expressão que está no Ato Complementar 40, de 1968, dias depois do AI-5, que é de 13 de dezembro de 68”, afirmou nesta segunda-feira (7) o professor, em entrevista aos jornalistas Marilu Cabañas e Glauco Faria na Rádio Brasil Atual.
• Angela Davis vem ao Brasil para ciclo sobre colapso da democracia
O professor destaca que o legado autoritário se faz presente também por meio de setores civis e militares que estiveram ligados à ditadura, mas, como não foram julgados por seus crimes, continuam presentes na vida pública. “Não houve um acerto de contas mais rigoroso com esse passado, e com os crimes cometidos. A verdade é que todos eles permaneceram na cena pública, no aparato do Estado e não houve nenhuma depuração no STF”, disse.
Como desdobramento de toda essa situação, a democracia no país, construída por um lento processo entre os anos 1970 e 1980 é demasiadamente frágil, como mostram o golpe de 2016, que tirou Dilma Rousseff do poder sem haver crime de responsabilidade, e levou o ex-presidente Lula à prisão em 2018, para impedir que participasse das eleições.
• Patricia Hill Collins, autora de ‘Pensamento Feminista Negro’, vem ao Brasil da menina Ágatha
Nessa questão, o professor vê uma contradição. “É uma questão muito interessante e curiosa para ser pensada, porque o Brasil é o único país no mundo em que houve uma Comissão da Verdade – e já houve comissões da verdade em mais de 40 países no mundo desde a década de 1980. Mas o Brasil é o único que teve uma Comissão da Verdade que fez os trabalhos com objetivo de não repetição e de reparação histórica e, de repente, a comissão termina seus trabalhos, entrega o relatório e a gente começa a viver a situação do golpe de 2016”, afirma.
“Foi uma ruptura democrática e esse ciclo de autoritarismo se aprofunda, culminando com a eleição em 2018 de um candidato que não só defende abertamente o legado da ditadura, mas defende também a tortura e os torturadores, como é o caso do Carlos Alberto Brilhante Ustra. É bastante sintomático e paradoxal essa situação brasileira”, diz.
O legado da ditadura e a violência de Estado serão o tema abordado pelo professor, em debate no Seminário internacional da editora Boitempo e Sesc Pinheiros, Democracia em Colapso?, de 15 a 19 de outubro. Quinalha foi consultor da Comissão Nacional da Verdade (CNV) para assuntos de gênero e sexualidade, e também assessor jurídico da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo. Ele debaterá no dia 18 (sexta-feira) às 17h o tema “O que resta da ditadura”, ao lado da psicanalista Maria Rita Kehl – que integrou a CNV. Confira a programação.
FONTE: REDE BRASIL ATUAL
FOTO: MARCELO CAMARGO / ABR